sexta-feira, julho 26, 2013


A vida dos outros

Um fotografo confinado em seu apartamento, com uma perna engessada, sem nada pra fazer, decide bisbilhotar a vida alheia como forma de matar seu tempo. Seria novidade se não se tratasse da trama de Janela Indiscreta, do mestre do suspense, Alfred Hitchcock, inspirado no conto de Cornell Woolrich. O filme trata com maestria o voyeurismo, algo que eu, você, nem ninguém pratica.

Vamos supor que alguém, assim, muito longe da gente, em um universo bem distante, comente da vida do artista da televisão, do conhecido da cidade, do parente ou do vizinho. Essa gente existe, mas a gente não sabe muito bem onde fica, não é mesmo? Sabe aquele programa de tv que todo mundo fala que não vê, e se sabe alguma coisa é porque estava mudando de canal? Isso mesmo, o tal do Big Brother, A Fazenda, daquele site especialista em propagar a vida pessoal do seu artista favorito, ou da revista de celebridade, então, por que será que fazem tanto sucesso? Será que as pessoas têm curiosidade em saber da vida alheia e acabam por inventarem histórias supondo alguma coisa? Não, né, devo estar enganada.



Ana é vizinha de um hotel, um não, vários. É moradora do bairro que mais recebe viajantes na cidade. São cerca de 4 hotéis nas redondezas da sua casa. Mas tem um especificamente, que fica na esquina. A rotina de lá interfere na rotina de cá, não diretamente mas interfere nas conversas da família de Ana, todo dia.

Tem o rapaz que mora no hotel, e sempre que ele está por lá a janela do segundo andar está aberta e a luz acesa. Ah, sem contar que ele, mesmo que Ana não conheça sua história de vida, considera-o como um vizinho antigo, com tchauzinho ele acena para Ana e sua familia. Ultimamente o quarto dele não anda com a janela e a luz acesa, pode ser que ele tenha mudado, foi a conclusão que chegaram. Tem o final de semana de festa na cidade que o hotel está com todos seus quartos ocupados e tem sempre algum hospede que sai na sacada pra conversar. Tem a galera do instagram que gosta compartilhar com os amigos os arredores do hotel hospedado. Tem semana que todas as luzes dos quartos estão apagadas, ou seja, nenhum hospede. Enfim, é animada a vizinhança por lá, cada dia um novo vizinho.

Ana faz caminhadas diárias na esteira da sua casa,  que lhe proporciona uma visão privilegiada da rua, consequentemente quem entra no hotel. Uma caminhonete dessas do ano corrente, com vidros escuros, havia estacionando do outro lado da rua, em frente sua casa.

Embora os vidros fossem escuros era possível notar que 2 pessoas ocupavam o veículo. Ana caminhava e o carro continuava ali, parado, ninguém descia. Isso a intrigou. 3, 5, 10, 15 minutos parados, deu partida, o carro virou na esquina e voltou para o mesmo lugar.

Ah não, Ana ficou ainda mais curiosa. Cerca de três minutos depois, o motorista desce e caminha em direção ao hotel, deixando a carona dentro do carro.

Ana caminhava e se questionava sobre as mil e uma possibilidades. Afinal quando você faz esteira e não tem tv, é necessário encontrar diversas coisas pra pensar. Ana estava pronta para a qualquer momento dos próximos segundos desvendar o mistério.

Será que Ana é a única a criar histórias que poderiam acontecer, mesmo que elas não saiam da sua cabeça? Acontecem romances, tragédias, comédias e dramas sobre fatos corriqueiros que acontecem diante dos meus, dos seus, dos nossos olhos. Fico imaginando o que as pessoas pensam ao se depararem com cenas, mesmo que não sejam extravagantes ou fora da realidade, protagonizadas por mim ou por você ao caminhar pelas ruas. Gosto de me colocar no olhar do outro, mesmo que isso me ajude apenas a criar histórias.

Eu sei que eu, nem você, nem ninguém fala da vida alheia. Mas vai me falar que você não dá uma só uma espinhadinha. Só sei dessa história porque a Ana me contou.

Ana não sabe o desfecho do caso, embora tenha criado uma porção de finais possíveis.



sábado, julho 20, 2013


Meu caso com a gramática ou A turbulenta relação do brasileiro com a língua portuguesa




"Esta é uma declaração de amor: Amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor."
Clarice Lispector



Não que eu seja exigente, mas dar uma escorregada na língua portuguesa perde 10 pontos comigo.


O meu trabalho me fez um pouco escrava das regras ortográficas e muito mais exigente em relação (a grande quantidade despretensiosa de) textos que leio.

Tenho uma mania nada educada de corrigir (mentalmente) concordância verbal ou palavras grafadas incorretamente seja em rotúlo de shampoo, pacotes de pão, sacolinhas do supermercado...

Pode ser que essa minha relação extrema com a língua portuguesa tenha se dado pelas vezes que recebi um belo de um puxão de orelha pelas pequenas escorregadas (quem nunca?), quando ainda acreditava na redação publicitária, em um tempo verbal um pouco distante.

Em geral o brasileiro tem problema com a língua portuguesa. Problema é pouco, em geral o brasileiro tem trauma das aulas de português, jogando a culpa nas demasiadas regras da língua. Coitada.

No geral o brasileiro tem dificuldade em distinguir a diferença entre MAS e MAIS, PORQUE, POR QUE, PORQUÊ e POR QUÊ, SE NÃO e SENÃO, AONDE e ONDE e insiste sempre em optar pela forma errada ao escrever.

Não estou falando das regras necessárias para se escrever um texto jurídico ou sobre as regras da ABNT, estou falando daquele português do dia a dia, daquela fala simples que a galera compartilha fácil com os amigos virtuais.

Em tempo de explosão das redes sociais, facilidade em publicação na internet, onde todos têm voz - e isso é ótimo - tal problema com a língua se evidencia. O indivíduo nasce e ganha junto a certidão de nascimento, um login e senha para o facebook.

Alunos, professores recém formados e estudantes de pedagogia (e muitos outros, e muitos outros), têm mostrado do que está povoada as faculdades e como escrevem os próximos mestres do futuro desse país, através de frases bombásticas, repletas de erros, gerúndios e com uma concordância sem igual. Pessoas que não tem a mínima noção da diferença de uso de s, ss, ç, x e ch. Anciosos de plantão pela prova ou show;  gente apaichonada que deseja que o amigo seje feliz e esteje bem; muita gente  chatiada, assim como eu, com o assassinato da língua portuguesa.




quarta-feira, julho 17, 2013


Das velhas histórias esquecidas na gaveta

Dizem que eu ando muito auto-ajuda...

Não fumo. Não bebo. Tenho alergia a gatos e nem sempre tenho algum comentário assertivo, digamos que relevante.

Não é sempre que tenho uma boa história pra contar e não é sempre que tem alguém pra ouvir.


Prefiro ouvir à falar. Observar do que ter uma participação mais central em um debate.

O mistério me envolve e a inteligência me atrai.

É que eu fico tomando nota mentalmente pra depois levar a situação adiante, diante do teclado, de uma forma que eu possa ter total controle das coisas, mesmo que às vezes, esta seja uma das poucas situações que controle seja algo que eu não tenha.

Pois é, não sou o tipo de gente julgada nesses meios sociais como interessante. Durmo cedo, acordo cedo, falo pouco, assisto tv e leio jornal.

Não tenho um best seller indicado pelo New York Times - pois se tivesse você já havia de saber -  e nem tenho a pretensão de ter.

Vivo diariamente essa dificuldade de organizar pensamentos e botá-los em uma folha de papel.

Esse é o dilema de quem precisa organizar essa confusão mental. Uma, duas, três linhas escritas. Pronto. Apago quatro.

Não é sempre que consigo escrever, não é sempre que quero escrever. Eu só escrevo quando eu quero. Meu processo criativo é teimoso.

Escrever dói. É um processo angustiante, ansioso...

Dói colocar diante da aprovação de terceiros aquilo que você criteriosamente julga. Julga e tem medo de ser julgada. Poderia escrever uma porcaria qualquer e desprender-se daquilo naturalmente jogando ao vento, em uma gaveta, dentro de uma caixa qualquer. Uma caixa de email que guarda todos os seus escritos esperando sabe-se lá o que.

Dói manter pose de criativo (na melhor foto de escritor com cigarro na mão) quando não sai nem uma vírgula.

Não fumo. Não bebo. Tenho alergia a gatos, nem sempre um comentário assertivo interessante, e pânico de folha em branco.

sexta-feira, julho 12, 2013


A gorda de burca

Imagine uma gorda de burca.



Ultimamente um assunto tem sido recorrente no meu "lar - com nem tanto açúcar - doce lar". Jantares e  almoços, há um bom tempo, são povoados pela mesa farta de uma família típica de descendentes italianos, numa dieta rica em carboidrato, e regados pelos doces e fartos comentários sobre os meus indesejados e tão queridos quilinhos a mais.

Entre uma mordida do mais delicioso pão caseiro e outra, confesso não ter o menor problema com isso, a não ser a minha dura relação com a balança que me leva a longas caminhadas diárias na esteira, remédio para colesterol alto e refrigerante riscado - juntamente com o açúcar -  do cardápio. Pura questão de saúde. Levo o assunto com a sutilidade de um jogador de futebol contando embaixadinhas, na mais pura esportiva.

Nunca tive problemas com peso. E isso nunca foi neura pra mim - e nem é - , mas quando me deparei que tal assunto tinha se mostrado pertinente não só nas reuniões lá em casa achei que algo tivesse mudado.  É a Betty Faria que ilustrava os portais com uma polêmica sem tamanho: seu biquíni e sua idade; é o Walcyr Carrasco que declara que gordos, no Rio, são mais discriminados do que negros; é a novela das 11 que traz a personagem que explode de tanto comer; é a vizinha, a amiga, a prima que não se entendem muito bem com o peso.

Algo me dizia que na verdade eu deveria me dar conta e levar a questão mais a sério. Tirando o fato de que o ar me engorda e respirar já me torna um pouco mais acima do peso e isso me incomodar só um pouquinho, sei que o termo "gorda" dói mais que um tapa na cara, para certas mulheres.

Mas parece que algo mudou. muito. em mim. Mudou minha forma de encarar apelidos carinhosos como fofinha e roliça, coisa de família, amor de irmã. Me dei conta que a sociedade encara com dificuldade  pessoas fora do padrão. Que padrão? Padrão inventado quando e por quem? É normal achar que todo mundo deve ser igual, da cor do cabelo aos gominhos do abdômen? Quem falou que o padrão é ser magrela, barriga chapada, cabelos compridos levemente escorridos e peitão? Quem falou que precisa tirar, e por, e alisar, e levantar, e clarear pra ser feliz?

Felizes são aquelas que aceitam o que são. Que não vivem culpando - nem se desculpando - pela sua forma. Se acha que está um pouquinho acima do peso, vai lá e tenta emagrecer. Tenta, mas não se priva da felicidade que é comer brigadeiro de panela e palha italiana assistindo ao filme que você mais gosta.

É muito mais bonito uma gordinha sorridente de biquíni em Copacabana do que uma gorda de burca pela Avenida Atlântica. E tudo é questão de assumir. Assumir o que você é e aceitar. Aceitar, se for opção. Se preferir por correr a trás, corra do jeito que você mais gosta, pode ser de short ou moletom. Não precisa deixar de lado a manicure, os novos batons, o blush, TPM... Perfeição só existe nas revistas. E quer saber, se seu caso for como o meu, que está muito mais pra Mafalda do que pra Barbie, mais Pagu do que Rachel de Queiroz, você deve estar preocupada com coisas de maior relevância do que o tamanho da sua barriga.


PS: Continuo acreditando que apelidos carinhosos familiares são pura implicância. 

quinta-feira, julho 11, 2013


Recontando é que se vive

Desde quando ainda era um cisquinho de gente costumava inventar histórias para poder, nem que fosse por segundos ínfimos, morar dentro delas. Recriei cenas, desconstrui finais, construí mundos ilógicos.  Recompus melodias para que ficassem no meu tom.

Procurei por entre linhas letras que tivessem mais poesia. Me deparei com uma relação afetiva com todas elas. E diante de um quebra-cabeça complexo encaixei peças que me faziam respirar melhor.

Despistei o medo do escuro caçando vagalumes. Inventei um imenso vale em um pequeno vaso no jardim. Conheci lugares que jamais estive. Vive o que jamais cheguei viver.


Coloquei o barquinho na água e me vi em uma imensa tempestade em meio ao oceano Atlântico. Soprei o avião ao alto e vi a liberdade de um pássaro que bate asas ao longe.

Cantei em teatros lotados, os mesmo que serviram de locação para os meus mais grandiosos filmes.

Fazendo de conta que tudo isso era verdade, fui vivendo.

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