sábado, novembro 20, 2010


Pra não começar com era uma vez

"Que planeta engraçado! É todo seco, pontudo e salgado. E os homens não têm imaginação. Repetem o que a gente diz... "
O pequeno príncipe - Saint Exupéry

Faz de conta que a gente é de brinquedo e sendo de brinquedo a gente cai, quebra, não se machuca e não sai sangue. Aí você faz de conta que mesmo sem fazer de conta todos aqueles sonhos que um dia você sonhou repletos de jujubas, balas de goma, doce de leite, pirulito que bate-bate, algodão doce e marshmallow estão sim ao alcance de suas mãos.

Faz de conta que o pozinho do pirilimpimpim e o gênio da lâmpada existem, e que tudo o que um dia você chegou a fazer de conta, vai acontecer. Faz de conta que existe um pincel mágico, capaz de pintar todas as cores, é necessário apenas um toque, de leve – e olhos fortemente fechados - nas folhas em branco para que tudo o que você deseja acontecer.

Continue fazendo de conta, e naquela plantação de ‘até logo’, ‘adeus’ e ‘nunca mais’ só brotarão palavras capazes de desfazer os nós de marinheiro que nossas vidas são capazes de dar.

Faz de conta que a gente pode colocar todas as nossas tristezas em um baú, e fechando-o elas só escapariam quando permitíssemos, do contrário elas bateriam apenas ali dentro.

Faz de conta que temos asas iguais às da borboleta e elas nos levam para onde quer que queiramos, não tem muro, montanha ou cerca que nos impeça, trilhando caminhos de ipês iluminados por um sol que ri estrelas cintilantes. E que aquela árvore dos frutos dourados, lá onde dizem que habita a Dona Esperança, independente da estação, transborda frutos de magia a cada minuto.

Faz de conta que as estrelas estão ao alcance de nossas mãos e podemos tocá-la para que o mundo se encha de luz.

Faz de conta que o coração da menina não está apertado e imensamente infeliz.
Faz de conta que isso tudo não é um faz de conta e vamos abrir os olhos para magia fazer de conta que é realidade .

quinta-feira, novembro 11, 2010


Onde pousam nossos sonhos?


"Vou rir bastante, manter um ar distante e esquecer quanto tempo faz."
Martha Medeiros

Esses dias têm anoitecido rápido. Antes das doze o dia já exala o aroma do crepúsculo. Os olhos quase nem conseguem repousar. Acreditei que já não era possível ver o céu da minha janela e que o sol havia desistido mesmo de acordar. Amputaram-me a asa esquerda, o que tem me impossibilitado, à vezes, de voar. Tentei durante alguns dias arrematar as dores e forrar a cama com lençóis de lembranças doces para que pudesse sonhar com os momentos bons e descobrir-me da colcha da tristeza. Desfazer as amarras, afrouxar o cadarço, desfazer o laço. Fechei os olhos. Era necessário recriar um mundo encantado a cada dia. Sapo que vira príncipe, coelho que sai da cartola, flor que vira pássaro, nós que se desfazem. É que o vento desfez meu castelo de areia, o carrossel me fez perder a direção e o cometa quase me levou com ele. Não tem sido fácil. Eu que já fui um pássaro, hoje sou somente pluma que cai.

Já não comento do arco-íris e das cores que ele tem. Já não mais aprisiono estrelas por entre os dedos só para vê-las brilhar. Já não mais roubo margaridas rosas no jardim da vizinha...
Mas nada de ficar chorando pelas folhas secas e amarelas que comumente ficam pelo caminho.Nada de revirar as gavetas em busca de rascunhos que ficaram para trás. Veja as folhas em branco como um futuro que precisa ser escrito.

Dei de ombros e pensei: que fique. Minha vida ainda está em gestação e eu sou destra desde que nasci.

sábado, novembro 06, 2010


Lá onde não vivem monstros


"Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto"
Guimarães Rosa


E então ela sonhou em ser capturada por uma astronave de cristal. Alguém que a pudesse tirar do mundo da lua e que a colocasse no chão feito pluma que cai de uma nuvem ao som do vento que balouça o móbile. Não, ela não queria mais passar os dias costurando nuvens que formam desenhos geométricos, unir retalhos de sonhos e arrematá-los ao final do dia. Ela estava exausta de remar um barquinho que não tinha um dia sequer que não encontrava uma palavra rocha, frases petrificadas, letras feito banco de areia no meio do trajeto. Coitada. Mesmo assim, bem lá no fundo do seu músculo fazedor de tumtumtum o mais interessante era ver o movimento das águas que ficavam pra trás com a força do remo. Era essa sua vontade e coragem em tecer com linhas de alegria, tecidos de felicidade, dia a dia despindo seus medos e vestindo a capa dos sonhos feito de nuvens desenhos costurados – sua fuga - carregando uma boneca de pano nas mãos, se escondendo no mundo retalhado de aquarela encantado.

Assim, ao som de uma máquina de costura a cada toque no pedal, ela ia tecendo, tecendo... como criança que cai da bicicleta e continua a pedalar. Dói, arde, ela chora, mas segue pedalando. Construindo retalhos, bordando céu azul, sol brilhante, horizonte bonito e pontinhos cintilantes espaçados.

Ela segue a tecer... Acreditando, ainda, na fada do dente, no pote de ouro no final do arco-íris, na família do comercial de margarina e na felicidade que dança como borboleta pelo ar. Costurando sonhos de futuro com linhas douradas.

Por mais que um dia ela cogitou, por favor, eu peço, não entrecortarem suas asas. Ela pode perder a cor, o perfume, a força... a vontade de tecer e bordar uma colcha de seda reluzente. Embora pareça que seu coração esteja no chão. Chão tal qual fim de festa, logo ali ao lado da serpentina rasgada do baile de Carnaval, e mesmo de longe seja possível ver fragmentos picados, papéis rasgados soltos pelo ar e ela queira fugir do mundo que a acolheu, por favor astronauta, não a leve do seu mundo satélite da Terra.

Por mais que pareça que seu pobre coraçãozinho de papel ainda esteja sendo cortado ela seguia pedalando. Com pingo a pingo de palavras escritas que formavam rio de tinta. E justamente por isso dentro dela continha, bem no meio do peito, um oceano de tinta translúcida. Mesmo assim continuava a tecer, tecia ali um mundo que ela desejava fugir. Tecia a lua, os jardins, os bosques, reunindo retalhos... derramando um rio pelos olhos de semente de romã.

Outro dia a fizeram acreditar que a lua havia mesmo despencado do seu céu, seu mundo perdido o brilho e o dia se refugiado à sombra da noite e desde então tudo era um pouco mais triste. Sua saída foi tecer novamente, costurar os retalhos com linhas de esquecimento uma colcha de lembranças - ruins, mas lembranças - com nuvens de tempestade para passar os maus dias bem depressa, em um pano escuro, observando tudo feito noite, noite de lua cheia e estrelada. E desde então ela tece a saída do mundo que escolheu viver.




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