"Não cortaremos os pulsos,
ao contrário,
costuraremos com linha dupla
todas as feridas abertas."
Lygia Fagundes Telles
Quando foi mesmo que ela largou as maria-chiquinhas? E aqueles sorrisos largos de todas as manhãs? Não, não sei ao certo, mas a menina-teimosa que jamais deixaria de fechar os olhos e esticar os braços para voar, passou, enfim, a acreditar que os sonhos estavam mesmo fora de moda e que a magia não podia mais dissolver corações gelados.
Não isso não é justo. Não é justo. Ela, justo ela, que a cada escurecer tirava do bolso alguns pares de vagalumes escondidos. Justamente ela, ela que ainda ontem procurava borboletas cintilantes, hoje já não acredita que daquela cartola é possível encontrar coelhos nem arco-íris encantados. Sim, ela deixou de construir castelos de areia com medo que os ventos os derrubassem.
Pois é, ela, ela que sempre manteve os braços apertos dispostos a abraçar bem forte e palavras mágicas, na ponta da língua, capazes de fazer gente feliz, não podia mais regar as plantações de ‘vai dar tudo certo´.
Não, não pode ser verdade, que ela já não construi laços de frases bonitas e amor eterno, e está atrapalhada com os nós que a amarram.
Será que tem como alguém levar até ela... você que passa pela estrada, um pombo-correio ou sinal de fumaça, um recadinho das bandas de cá? Só diz bem baixinho no ouvido dela, com muita delicadeza, para que ela tenha calma e peça o mesmo ao seu coração tão apertado.
Peça pra ela empurrar o carro só mais um pouquinho e não colher mais cactos achando que é rosa. Aproveite e sopre um pouco desse pozinho, que lhe envio nesta caixinha tão mágica, sobre ela. Peça para que durma um pouco depois do 'entrou por uma porta e saiu pela outra’, vai, pede pra ela fazer um esforcinho. E depois do 'e quem quiser que conte outra' peça para que sonhe, sonhe, sonhe... com a história que escreveu e que ela pode ter certeza que é possível escrever história sem ponto final e ao mesmo tempo ser feliz para sempre...