quarta-feira, agosto 14, 2013


A dita cuja

Quando eu ainda não sabia do poder dessa tal serpente, escutei uma lenda...


Era uma vez um vagalume que era perseguido insistentemente por uma cobra. Ele fugiu por alguns dias, mas já sem forças o pobre do vagalume perguntou à cobra se podia fazer algumas perguntas. A cobra, que ia devorá-lo mesmo, abriu precedente. O vagalume perguntou se ele fazia parte de sua cadeia alimentar ou se tinha feito algo para ela. A cobra prontamente respondeu-lhe que não. Em seguida o vagalume questionou a sobre o porquê dessa perseguição. A cobra maligna lhe disse que não era por um motivo, assim, conciso, era apenas porque ela não suportava vê-lo brilhar.

Não é necessário um estudo profundo de Freud ou Lacan pra saber que a tal da cobra nos cerca. Se não agora em algum momento da sua vida você vai se deparar com uma, pode ter certeza. Seja pela garrafinha de água que você carrega, pela sua roupa, pelo seu corte de cabelo, pelo seu celular, pela sua competência, pelos elogios que o chefe lhe faz ou simplesmente pela banal cor do seu esmalte. Ergue o dedo mindinho quem nunca teve uma naja que lhe sorri cordialmente e basta que os fones de ouvido se direcionem até seus ouvidos que pronto, você é assunto novamente da tal rodinha.

Porque das duas uma, ou a rodinha fala mal de alguém ou se une para fazer algum mal a alguém. Afinal quem é que não ouviu a pesquisa de que se despertar ameaça  - mesmo que ela seja irreal -e seja como e qual for essa tal - vide o pobre do vagalume - traz a tona a serpente guardada em cada um.

Não sei como lidar com as najas da minha vida. Mesmo encontrando diversos vídeos, artigos e pesquisas que se entitulam "como lidar com isso na sua vida". Nenhum remédio me foi eficaz contra tal praga.

Dizem que desde que o mundo é mundo a serpente existe. A dor da picada da serpente pode ser insuportável até quando você aprende que é possível viver sem precisar fugir e sem sentir dor.

Há cobras que na verdade sonham em ser vagalumes. Há vagalumes que não se sentem incomodados com a perseguição das najas. Embora soe estranho é possível viver assim, sendo perseguido, porque - tirando as armadilhas e as chateações, cobra será sempre cobra e vagalume, curiosamente, sempre brilhará.



PS.: Vamos todos morrer de inveja, afinal dizem que até mesmo Machado de Assis se rendeu a este mal.

terça-feira, agosto 06, 2013


No jardim de infância





Tem gente que sai da pré-escola, mas não permite que a pré-escola saia dela.
Tem gente que não permite que os antigos hábitos, e atitudes maduras e inteligentes, sejam substituidos pelo simples fato de que aquilo lhe convém.
Porque é muito mais fácil e cômodo continuar com as mesmas atitudes de quando você tinha 04 anos e fazer com que as outras pessoas sejam obrigadas a aceitar.

Porque só na pré-escola a gente não fala com o coleguinha porque ele fez alguma coisa que não agrada; porque, talvez, só na pré escola você possa ter o direito de ficar emburrado se o amiguinho pegou o lápis que você queria usar naquele momento;  porque só na pré escola a gente fica esperando 'Parabéns estrelinha' da professora; porque só na pré-escola a gente precisa lanchar com o amiguinho pelo simples fato de ser visto lanchando sozinho pode gerar conversas e suposições dos outros coleguinhas; porque só na pré-escola a gente fala pra professora que o coleguinha pediu pra gente não fechar a janela, e a gente não quis, diante disso a gente passa todo o resto do semestre letivo sem falar com o coleguinha; porque só na pré-escola a gente acha que perguntando tudo para a professora a gente seria de alguma forma privilegiada; porque só na pré-escola a gente precisa sentar na primeira carteira pra 'puxar saco' da professora e conseguir boas notas;  porque só na pré-escola a gente acredita que a professora sabe de tudo, 'no mundo', e não pode ser contrariada;  porque só na pré-escola a gente aceita ouvir crianças imitando bebês; porque só na pré-escola se a gente não tem a boneca que a coleguinha tem, ao invés de brincar junto, a gente quebra a boneca do coleguinha; porque só na pré-escola a professora briga se sentarmos fora do mapa de classe; porque só na pré-escola a gente pode fazer cara feia e ir pra casa se foi mal na prova; porque só mesmo fora da pré-escola e diante de tantas atitudes infantis a gente precisa ser dar conta e entender e, ainda, suportar esse tipo de gente.

Porque infelizmente esse caso chupeta não resolve.





sexta-feira, julho 26, 2013


A vida dos outros

Um fotografo confinado em seu apartamento, com uma perna engessada, sem nada pra fazer, decide bisbilhotar a vida alheia como forma de matar seu tempo. Seria novidade se não se tratasse da trama de Janela Indiscreta, do mestre do suspense, Alfred Hitchcock, inspirado no conto de Cornell Woolrich. O filme trata com maestria o voyeurismo, algo que eu, você, nem ninguém pratica.

Vamos supor que alguém, assim, muito longe da gente, em um universo bem distante, comente da vida do artista da televisão, do conhecido da cidade, do parente ou do vizinho. Essa gente existe, mas a gente não sabe muito bem onde fica, não é mesmo? Sabe aquele programa de tv que todo mundo fala que não vê, e se sabe alguma coisa é porque estava mudando de canal? Isso mesmo, o tal do Big Brother, A Fazenda, daquele site especialista em propagar a vida pessoal do seu artista favorito, ou da revista de celebridade, então, por que será que fazem tanto sucesso? Será que as pessoas têm curiosidade em saber da vida alheia e acabam por inventarem histórias supondo alguma coisa? Não, né, devo estar enganada.



Ana é vizinha de um hotel, um não, vários. É moradora do bairro que mais recebe viajantes na cidade. São cerca de 4 hotéis nas redondezas da sua casa. Mas tem um especificamente, que fica na esquina. A rotina de lá interfere na rotina de cá, não diretamente mas interfere nas conversas da família de Ana, todo dia.

Tem o rapaz que mora no hotel, e sempre que ele está por lá a janela do segundo andar está aberta e a luz acesa. Ah, sem contar que ele, mesmo que Ana não conheça sua história de vida, considera-o como um vizinho antigo, com tchauzinho ele acena para Ana e sua familia. Ultimamente o quarto dele não anda com a janela e a luz acesa, pode ser que ele tenha mudado, foi a conclusão que chegaram. Tem o final de semana de festa na cidade que o hotel está com todos seus quartos ocupados e tem sempre algum hospede que sai na sacada pra conversar. Tem a galera do instagram que gosta compartilhar com os amigos os arredores do hotel hospedado. Tem semana que todas as luzes dos quartos estão apagadas, ou seja, nenhum hospede. Enfim, é animada a vizinhança por lá, cada dia um novo vizinho.

Ana faz caminhadas diárias na esteira da sua casa,  que lhe proporciona uma visão privilegiada da rua, consequentemente quem entra no hotel. Uma caminhonete dessas do ano corrente, com vidros escuros, havia estacionando do outro lado da rua, em frente sua casa.

Embora os vidros fossem escuros era possível notar que 2 pessoas ocupavam o veículo. Ana caminhava e o carro continuava ali, parado, ninguém descia. Isso a intrigou. 3, 5, 10, 15 minutos parados, deu partida, o carro virou na esquina e voltou para o mesmo lugar.

Ah não, Ana ficou ainda mais curiosa. Cerca de três minutos depois, o motorista desce e caminha em direção ao hotel, deixando a carona dentro do carro.

Ana caminhava e se questionava sobre as mil e uma possibilidades. Afinal quando você faz esteira e não tem tv, é necessário encontrar diversas coisas pra pensar. Ana estava pronta para a qualquer momento dos próximos segundos desvendar o mistério.

Será que Ana é a única a criar histórias que poderiam acontecer, mesmo que elas não saiam da sua cabeça? Acontecem romances, tragédias, comédias e dramas sobre fatos corriqueiros que acontecem diante dos meus, dos seus, dos nossos olhos. Fico imaginando o que as pessoas pensam ao se depararem com cenas, mesmo que não sejam extravagantes ou fora da realidade, protagonizadas por mim ou por você ao caminhar pelas ruas. Gosto de me colocar no olhar do outro, mesmo que isso me ajude apenas a criar histórias.

Eu sei que eu, nem você, nem ninguém fala da vida alheia. Mas vai me falar que você não dá uma só uma espinhadinha. Só sei dessa história porque a Ana me contou.

Ana não sabe o desfecho do caso, embora tenha criado uma porção de finais possíveis.



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